quinta-feira, março 30, 2006

PESADELO!

muro888

(foto de BlueShell)

Parti de um porto perto de mim
Na procura de um sonho vazio de Ser
Que já nada tinha para me dar
Sem eu o saber!
Mas parti...mesmo assim...

Penhorei as palavras que te ia dizer
Sufoquei as lágrimas para não ceder,
Para não me Dar...por inteiro, enfim.

muro3

(foto de BlueShell)

Parti de um porto longe de ti...
Naufraguei no Tempo do sonho e
Perdida em mim...jamais te possuí...

segunda-feira, março 27, 2006

...ainda que...

festaflor22

(foto de BlueShell)

Amar-te-ei a cada instante
Meu amigo, meu amante.

Amar-te-ei na ausência
Pelas memórias que semeaste em mim.

Amar-te-ei com meu jeito
Terno e franco...

Amar-te-ei ainda que me digas
Que me não conheces e me negues a existência

Amar-te-ei ainda que renegues meu amor.
Ele a ti pertence!
A mim...pertence a dor!

sábado, março 25, 2006

Não digas nada...

sereu

(foto de BlueShell)

Desde quando teus olhos deixaram de brilhar? Só agora reparei...onde está o brilho que tinham quando olhavam para mim? Quando mergulhavam bem fundo no meu ser?
E se as palavras que dizes são sem cor...
Se teu olhar-me se transformou e me não consegues ver, e o teu quer-me...se se perdeu algures no Tempo...
Como consegues amar?

Não digas nada.
Não pintes as palavras para me agradar...guarda-as para pintares da cor do amor...quando voltares a amar...

quinta-feira, março 23, 2006

VERSOS DE DOR...

procura3

(foto de BlueShell)


Nos versos que faço te procuro em sofrido desespero
E por não te encontar sei que meus versos não são
Versos de amor...são versos de dor...
Que te anseiam e em vão se cansam de tanto te
Procurar....

terça-feira, março 21, 2006

O fazer amor contigo!...

acordar77

(foto de BlueShell)

No acordar, depois da longa noite,
Soube provar dos teus beijos
O sabor a mar e o teu olhar
Sorria e eu sentia nesses lábios
O calor da paixão, a emoção
De amar há muito esquecida...

No acordar tremi de excitação...
Senti teu corpo em mim num
Tempo sem fim num Ser-se e
Estar-se amando e juntos
Sem fôlego já...ambos nos dando
E nos querendo tanto e tanto
Que nosso leito, por não poder
Amar...se foi quedando
Até que, já cansado,
Se deixou repousar!

domingo, março 19, 2006

Onde quer que estejas saberás...

marc1

(foto de BlueShell)

Que onde quer que estejas, pai,
Me possas ver sorrir-te assim
Como criança que onde quer que vai
Te leva bem fundo no peito...e enfim
Chora!...e mesmo no sorrir...sorri diferente
Porque a cada dia mais forte sente
A dor que estala e fere e dói
De tanto te amar...mesmo que ausente!

marc2

(foto de BlueShell)

Onde quer que estejas saberás
Que este sorriso é para ti...pai!

quinta-feira, março 16, 2006

Nua...para ti!...

solarengo22

(foto de BlueShell)

Quando, mesmo em sonhos, passas tuas mãos
Pelo meu corpo despido de tudo
Sinto a Verdade que existe em ti, em nós...
Sinto o sol afagar-me em carícias mil...
Depois sinto despertar intenso desejo
E o que quero...não o vejo...
E o concretizar desse desejo
Impossível é!

Mas sei, e isso me basta, que
Mesmo em sonhos...
Passas tuas mãos puras
Pelo meu corpo
Despido de tudo
E ....
Sou FELIZ!!

terça-feira, março 14, 2006

Pelo teu olhar...

seila99

(foto de BlueShell)

Ensina-me a ver as coisas belas...
...e traz contigo o sol que faz delas
Visão sublime do Criador...
Então verei com olhos de Amor!...

sábado, março 11, 2006

Encruzilhada!

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(foto de BlueShell)

Rebolei-me nas palavras...e elas me acariciaram a alma...
Fiz amor com cada sílaba e me senti mulher...


...e o silêncio traduz um céu sem estrelas...um dia sem luz


...que o caminho que piso me conduz
À escuridão de uma existência
Obscura onde o olhar se perde...sem rumo...
Caminho de terra em forma de cruz...



quinta-feira, março 09, 2006

Dor de tanto sentir

mundo

(foto de BlueShell)

Adormeci nos seus braços ternos e...não tive frio.
Adormeci em paz...

Não sonhei!

O Sonho estava ali a meu lado...

Quando acordei não havia sol...

Mas tinha dormido nos seus braços
...e estava feliz...

Porém, o dia trouxe a ausência, a saudade e a solidão...
E os meus olhos já não brilham de felicidade...
Choram de saudade...
E dói o coração
Dói o sentir
Dói o ser-se mulher
Consumida p’la paixão!!!

terça-feira, março 07, 2006

Palavras que tardam..

palavras88

(foto de BlueShell)

O dia tristonho não me deixa ver
P’ra lá das montanhas seu olhar profundo...

É o meu amado...
Lá do outro lado ...tão longe de mim...

Sonhos alimentam o meu estar viva
E seus beijos quentes me aquietam e excitam
Me enlouquecem e agitam...
[Paradoxo do tanto querer!]

Mas o dia tristonho não me deixa ver
Para além das palavras suas,
Puras e nuas...

E as palavras tuas...que espero e desejo
Tardam em chegar
Junto com um beijo....

É DEMAIS...Uma "provação" assim....

...
- "Então? Como é que fica?"
- Olha, é assim....ou ponho a Matilde a ser atingida por um raio!!! Ou ponho o Dário a fazer de conselheiro matrimonial e levá-la de novo para os braços do Francisco...que a esta altura ja terá" aprendido a lição". Que me dizes?

- "Olha...digo-te que já me dói o rabo de estar aqui há tanto tempo sentada à espera do raio do final do maldito conto!
Bota lá o Dário a fazer de Conselheiro..."

- "Certo: assim fica de novo o casalinho junto mas Francisco passa a dar mais atenção à sua esposa e todos lá na Quinta grande passam a tratá-la como a senhora da casa! fica bem, então ?

- "Fica...fica....acaba lá com isso!!!

Olha e , por favor....não te metas a fazer mais contos, não? Fas umas rendas, uns bordados, aprende a fazer umas sobremesas...ou isso ...mas mais contos, NÃO!!!"

sábado, março 04, 2006

Ainda..."Provação"...sim, a que está em baixo....

- " Queres com adoçante?"
- " Não, sem nada. O rapaz já sabe que é sem nada que eu tomo o café!"
- " Eu quero com adoçante...


- " Mas então olha lá. ao telefone dizias que querias reformular o final do conto..."
- "Isso mesmo. Ontem quando foste embora....achei aquilo tudo um nojo. O mínimo que posso fazer é , pelo menos, dar-lhe outro final."
- " O conto é teu, faz como entenderes...mas já sabes: nada de suicídios ou conventos...ou enlouquecer a fulana. E o gajo sempre se fica a chamar Dário? não pode ser Alexandre?"


- "Fica Dário, porra!...desculpa, não vês que estou nervosa? Tenho a Matilde fora de casa e não sei que destino lhe vou dar.... Se me ajudasses e desses algumas sugestões enquanto fumas o teu cigarro, hein?"
- " Estou a pensar...

sexta-feira, março 03, 2006

Provação II...[ ou o conto que ninguém vai ter paciência de ler até ao fim...)

Os dias pesavam arrastando-se lentamente.
E o coração de Matilde, toda a força da sua juventude ficava ali....sepultada naquelas paredes de granito, naqueles grilhões sociais...
Sentia frio, muito frio! Mas um frio que lhe invadia a vontade, o querer, o sonhar!
Matilde morria aos poucos.

Da janela e da varanda do seu quarto via toda a natureza livre e sã! E sorria. Conhecia de cor a cor de cada flor, o canto de cada ave. E sabia onde cada ninho estava....e à noite olhava as estrelas e sabia o nome delas, nomes com que as baptizara. Eram as “suas” estrelas, as “suas” flores, as “suas” árvores, os “seus” ninhos...

Francisco ocupava-se a “socializar” ...ora no “Club”, ora em festas que “dava” no grande casarão. Esses dias eram para Matilde um inferno: colocar uma máscara de felicidade, circular como dona da casa, que nunca fora, e fazer de esposa exemplar...deixavam-na mais revoltada e mais prostrada.

Mas foi numa dessas “festas” que Matilde se reencontrou consigo mesma: Dário pegou-lhe, de súbito pelo braço e sussurrou-lhe ao ouvido – “Não se assuste”; depois em voz alta e dirigindo-se a Francisco – “O meu estimado amigo permitirá que lhe roube a esposa por uns minutos, não é verdade?”
Francisco, de copo de licor na mão, assentiu com a cabeça e sorriu.

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(foto de BlueShell)

Já na varanda Dário olhou-a bem dentro dos olhos azuis: - “Achei que estava a precisar de um pouco de ar da noite”...”não me leve a mal, por favor.”
- Não, eu...
- “ E também não me queira mal pelo que lhe vou dizer a seguir, dona Matilde”.
“Eu sou um homem vivido, experiente...vi falecer minha adorada esposa há anos, por culpa minha, por não saber ver...e, a dona Matilde vai-me perdoar de novo....eu tenho-a observado: a dona Matilde não anda bem. Eu não me perdoaria jamais se deixasse tudo acontecer outra vez. A minha esposa partiu deste mundo levada pela tristeza e pela solidão. Se eu calasse o que penso estaria a repetir o mesmo erro, entende?”
- “Valha-me Deus, Sr. Dário, eu...
- “ Shiuuu! Não diga nada.

A noite caía já, plena de encantamento...uma hora em que os vultos são apenas vultos e as vontades de manifestam sem preconceitos, sem nada que as possa travar...
Matilde não conteve as lágrimas. O seu vestido preto deixava realçar mais o arfar do alvo seio. Dário tomou-lhe as mãos com força, depois deu um passo e, tremendo, abraçou-a. Sentia-a soluçar, sentia o seu cabelo tão louro, tão suave... E, por um brevíssimo instante apenas, pensou poder possuí-la! Mas no mesmo momento se amaldiçoou e afastando-a de si balbuciou apenas: - “A dona Matilde não merece acarretar essa dor ! Tanto sofrimento meu anjo...Ò Deus, não é justo, isso!”
Matilde ergueu os olhos, enxugou algumas lágrimas e observou o homem que antes a abraçara tão terna e inocentemente. Era um homem bonito com os seus cabelos quase todos brancos, alto, forte mas sempre elegante. Já em outras ocasiões o olhara como um cavalheiro distinto...agora olhava-o com desejo.

Lá dentro, na grande sala iluminada a música, o ruído abafado das conversas e dos risos.
O crepúsculo dera lugar à noite. E todas as estrelas de Matilde lá estavam, únicas testemunhas de um beijo....primeiro apenas um leve roçar de lábio, tímido...a respiração quente de ambos era o que apenas se ouvia. Depois... toque de lábios transformado em beijo ardente, sôfrego, saboreado em cada boca com a loucura de um desejo vibrante, cortante...à mistura com o ritmo de corações que impetuosamente parece quererem deixar de bater...
Depois ainda, mãos desejadas que apertam e tacteiam na procura de seios como quem bebe em êxtase o cálix da Vida eterna...paradoxo do pecado cometido que excita e inebria mais e mais... e enleva corpos que se fundem sem se cansar, como Templos que se abrem para receber os fiéis em tempo de Semana Santa...
Luz e sombra, música e um respirar a Vida, um erigir vontades de ambos, inexoravelmente apaixonados...condenados...e ainda assim pecando voluntariamente...

[- “Isto já parece uma novela de cordel, não?”
- “ Deixa estar...continua. Logo se vê no que vai dar.”
- Olha que não me está a soar bem, percebes? É que depois as pessoas lêem e é uma vergonha. As novelas Venezuelanas tinham assim umas “situações” levadas do caraças...isto fica mal, pá!
- Não fica nada! Gaja teimosa, porra! Continua, carago. Estás p’ra’í com preciosismos e mais não sei quê...Afinal a ideia era fazer um texto de ficção em prosa, não era? Prontos...não entendo qual é o problema. Só na tua cabeça, pá!
- “Está bem, vou continuar...mas que não me está a soar bem, não está!!!”
- “Espera: vais matá-la? À Matilde?
- “E eu sei lá? Por um lado ficava bem...assim...uma saída “airosa”, por outro lado fica muito “pesado”, um dramalhão ultra-romântico...não te parece?
- “ Tanto faz....segue em frente com isso que já me enervas, caraças!”]

A manhã foi recebida com um enorme sorriso. Matilde abriu as pesadas cortinas sem esperar pela criada de quarto e foi à varanda onde o sol, tímido e meio a dormir, mal rompia por entre a ramagem maciça da vegetação em frente.

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(foto de BlueShell)

O silêncio não a incomodava, hoje!
Pelo contrário, sentia naquele silêncio não o sinónimo da solidão mas o espaço propício para reviver todas as sensações da noite anterior. E saboreou-as, uma a uma, ali na varanda, de olhos fechados....e sentiu-se de novo nos braços de Dário, sentiu-se de novo mulher. Afinal ...era mulher, não era meretriz...apenas mulher! Mas aquela palavra...apenas pensada, fê-la abrir os olhos. Via a enorme quinta até lá ao longe. Uma brisa de ar mais frio fê-la sentir um arrepio que lhe gelou a alma. Aquela palavra...empalideceu! Num ímpeto, regressou ao quarto, correu ao espelho...Aquela mulher à sua frente, mulher esguia, envergando uma camisa de dormir alva como neve, com cabelos loiros ondulados como os de uma sereia...era ela própria. Apontou para o espelho, devagar e com o dedo indicador, acusou: “- És uma prostituta, és uma prostituta...uma...”
E ficou ali, diante de si, com um olhar esgazeado...um olhar de quem tinha nojo do que via, nojo do que sentira...ou quiçá? sentia ainda?....
E quando a criada de quarto subiu e bateu com os nós dos dedos na porta de madeira, tentou rodar a maçaneta... a porta não se abriu.

[ - “Espera lá! Alto aí! Vais meter a tipa a ficar louca?
- “Era uma ideia, não achas bem?
- “Mas explica-me uma coisa: O que aconteceu na noite anterior entre a Matilde e o Dário (não sei onde foste buscar o raio do nome para o gajo) não foi apenas um beijo e alguns apalpões?
- “ Credo, tens uma maneira tão prosaica de ver estas coisas da paixão....”
- “ Mas foi apenas isso, não?”
- “Claro que foi apenas isso...não houve mais nada. Mas tens de entender que nesta altura e para pessoas com uma educação religiosa como Matilde isso já era um pecado imenso, já era uma traição ao Francisco...”
- “ Bem feita para esse, e eu na pele dela não deixava as coisas ficarem por um beijo apenas...ia mais longe...tu sabes...hehehehe.”
- “Tem tino, vamos ver como saio desta embrulhada. Então quanto a ti....loucura está fora de questão, é?”
- “Claro: nada de suicídio, nem loucura....ah...e nada de Conventos ou Mosteiros também. Isso já o Garrett e outros fizeram.”
- “És chatinha, já te disseram? Bom, então deixa-me concentrar!”]

Por instantes a criada pensou insistir. Mas depois achou que a senhora estaria cansada da véspera e resolveu não a acordar. Deixá-la-ia descansar um pouco mais!
Matilde, entretanto, vestira-se, penteara os seus loiros cabelos e com os olhos plenos de lágrimas escreveu um pequeno bilhete que colocou devagar sobre a cama, já feita.
Olhou uma última vez o quarto, cada objecto...foi à varanda despedir-se das “suas” árvores, dos “seus” ninhos...
Ninguém a viu sair. Nada levava consigo senão aquele vestido castanho-escuro e um xaile preto que lhe cobria o louro dos cabelos. Os seus passos eram firmes e determinados. Em momento algum parou para olhar para trás.

Por volta do meio-dia era um reboliço lá no casarão! Francisco já perdia a compostura: onde se enfiara a criatura? Um desaforo assim...
A mamã achava tudo aquilo coisa de criança mal-comportada que merecia umas boas nalgadas.
Já a avó, mulher sábia, como o são todas as avós, achava que o caso era sério e, pela primeira vez desde há três anos, altura em que se celebrara o matrimónio entre Matilde e Francisco, dera-se conta do quão mal havia sido orientada aquela menina. Lá no fundo ela sentia que entendia a razão da fuga de Matilde.
O avô, de mãos atrás das costas, caminhava no escritório, esbaforido...pensando no escândalo...sim porque as pessoas agora iriam comentar! É a vergonha! É a desonra! É a infâmia!....a manchar o seu imaculado e venerado nome!

Súbito Francisco apareceu na sala. Trazia nas mãos um bilhete. Estava lívido!

“ Ao Senhor meu esposo Francisco:

Sou eu, Matilde, quem vos escreve. E escrevo por não ter coragem (nunca a tive, bem o sabeis) de vos dizer que não sou merecedora de continuar a usar vosso nome, a viver sob o tecto de sua casa. Sei agora que o meu lugar é num qualquer bordel...por isso já vedes que a minha ida desta casa não vos poupa à condenação pública, mas poupa-vos à desonra.
O nosso matrimónio foi um erro, ambos o sabemos. E é por respeito à memória de vossos antepassados que me ausento sem mais delonga.
Não quero o vosso perdão, senhor! Não vo-lo peço!...e vós, não queirais que eu...vos perdoe também, todo o mal que me fizestes.
Saio de vossas vidas voluntariamente. Não espero, nem quero que me procureis!

Matilde”

A ninguém Francisco revelou o conteúdo daquele bilhete.

- “Mamã, avó...minha esposa morreu! A partir de hoje não se pronunciará mais o nome dessa mulher aqui em casa. Jamais, entendeis todos?”

Mas notícias destas correm velozes...e quando Dário soube que Matilde tinha morrido quase enlouqueceu; Correu ao casarão...mas ninguém para o receber.
Os Senhores tinham partido para o Norte e não se sabia quando voltariam à Quinta Grande. – Resmungou uma criadita pela fresta da porta entreaberta.

Na aldeia uns diziam que tinham visto o caixão de Matilde numa caleche funerária...outros afiançavam que tinha sido sepultada nos terrenos da Quinta.

Mas Dário não sentia que Matilde estivesse morta! – “Não o consinto, ouves mulher? Não me podes morrer assim, agora que te abracei e te beijei e sei que te fiz feliz...não podes ter morrido, não...porque eu não quero que morras” – balbuciava Dário por entre soluços. Queria tê-la ali consigo para a amar, para a venerar...

Os meses passavam mas a dor permanecia cada vez mais viva. Dário quisera saber onde era a sepultura de Matilde mas a resposta de Francisco ainda o desesperara mais:
“... o corpo dessa senhora está espalhado um pouco por todo o lado!”
Esta resposta, assim, seca e fria despertou em Dário uma pontinha de esperança...ao mesmo tempo que o confundia! Uma resposta assim, de um marido que não denota dor, que não deixa transparecer sequer um lamento pela perda sofrida...
E Dário recomeçou a procura. Correu conventos, hospitais...nada! Nem nas vilas, nem nas grandes cidades. Quando estava na cidade pernoitava no hotel do costume: o serviço era muitíssimo bom e a discrição um factor a considerar.
Numa dessas noites as paredes do seu quarto incomodavam e tarde já, resolveu sair. Era uma noite quente de Verão. Pouca gente nas ruas. Candeeiros iluminavam os passeios dando um tom de vermelho-inferno à cidade. Os seus passos eram lentos e o seu caminhar não levava destino certo.
- “Carece de companhia, o cavalheiro?” – perguntava de uma ombreira uma vozinha “melada”, atrevidamente sedutora...
Dário nem respondeu, sequer se virou para olhar aquela figura esguia de cabelos loiros e olhos muito azuis.
E até apressou o passo mas...deteve-se fulminado! Aquela voz...havia algo naquela voz... – “ Não, devo ser eu que estou a endoidar. Não pode ser Matilde!”
Mas o certo é que os pés não obedeciam: parecia estarem presos ao chão.
Voltou atrás, a medo, quase constrangido.
- “ Ah, o cavalheiro pensou melhor e...”
Fez-se um silêncio cruel: ela enfezada e de olhos no chão!
Ele de olhos esbugalhados, atónito contemplava aquele ser. E Dário sentiu raiva, ódio, nojo dela...e ela sentira-o no seu olhar!
Ainda o silêncio atroz...daqueles silêncios que magoam mais do que bofetadas...
Assim estiveram algum tempo...medindo-se, desafiando-se, sofrendo!
- “ Matilde! Meu Deus...que razão? Pensámos que tivesse falecido.”
- “ Eu sei. Mas tinha de ser assim, Sr. Dário. Tinha de ser assim.
- “ Não tinha, Matilde! Eu a procurei por todo o lado. Eu a queria...e tanto!
- “ Diz bem, Sr. Dário....me “queria”. Ainda me pode ter. Por alguns trocados apenas...
Dário ainda levantou a mão...mas não ousou tocar-lhe!
- “ Fui eu quem lhe fez isto, não fui?
- “ Não, fui eu mesma quem fez isto a mim própria. O Sr. Dário fique tranquilo...não tem culpa de nada. Como poderia ter? – Mentiu Matilde.
- “Mas fui eu quem a beijou naquela noite e a desejei...”
- “Estava-me no sangue que assim fosse: agora outros homens me têm, outros homens...”
Não terminou. Estremeceu com o grito de Dário: - “Cale-se! Cale essa boca suja, mulher...essa boca que eu beijei e que era pura, então. Era meretriz o que queria ser? Pois passar bem! Conseguiu o que queria...ser meretriz...ao serviço de quem pagasse mais! Lamento profundamente, creia-me, ter durante estes meses chorado uma mulher digna de minhas lágrimas e que eu supunha morta.
- “ Chorou-me?...”
- “Sim, mulher desgraçada, chorei-a porque a amava, porque ...porque”... – a sua voz era, de novo, terna e meiga...para logo de seguida se exaltar.
- “Chorei-a por a julgar perdida para sempre. O que nunca julguei foi que andasse a meter homens no seu leito, a...a...dar-se a eles, a vender-se. Maldita seja!
- Pelo menos agora sabe a verdade...não terá de me chorar mais, nem de se preocupar comigo. Pode seguir sua vida, Sr. Dário: lamento que tenha causado todo esse transtorno ao senhor...Não imaginava....
- “ Transtorno? A Matilde chama-lhe transtorno? Bem vejo que não faz ideia do quanto sofri estes meses....do quanto sofro neste preciso momento por sabê-la assim, perdida...
- Olhe, Sr. Dário. Desculpe se não entendi. Terá razão, certamente terá. Mas eu nunca lhe pedi nada. E a vida que levo é a minha vida, a minha vida, percebe?
- “Não Matilde, a Matilde é que não percebe: a vida que leva não é a “sua vida”...é a minha vida. Sim, Matilde...a Matilde é a minha vida, entende agora? Entende a razão da minha raiva, da minha angústia? Eu não soube proteger a “minha vida”, não soube protegê-la, Matilde. Perdoe, perdoe tudo quanto eu disse e amaldiçoe-me se quiser: eu não tinha o direito...Mas...é que eu...eu amo-a!
- “ Ama? Olhe para mim, Dário! Olhe-me nos olhos e diga que me ama! Decerto quer fazer-me rir.
- “ Olho, sim...e vejo nesses olhos azuis a mesma mulher que eu beijei naquela varanda, e que me beijou com paixão...era fingimento? Não creio. Não se finge assim! Teve outros homens? Não importa...tudo isso faz parte de um passado que não é meu, dele não posso ter ciúmes. Quero-a como é, como está...quero-a agora. Quero-a Matilde para minha esposa, para minha mulher e lhe juro que será amada como nunca o foi nesta vida.
- “ Falais a sério...
- “ Não imaginais o quanto vos amo...
- “ Mas eu...eu sou... o que vedes em mim...eu não sou digna...sou mulher infame...
- “ Dir-me-eis apenas se quereis casar comigo, ser minha esposa...isso me basta.
- “ E basta-vos isso? Não me pedis o meu amor?
- “ Não, não peço vosso amor...sei que me amais também; não me pergunteis como sei...apenas sinto que me amais porque em vossa presença, querida, me sinto amado.
Sei que sou amado...presunção? Essas lágrimas...Matilde...chorais?
- “ É verdade que vos amo. E não pude suportar a ideia de ter traído o meu marido Francisco, me condenei a ser uma mulher do mundo...porque eu não devia ter-vos amado, não podia, não era lícito...”
- “Maldito eu...agora tudo faz sentido! Então sempre foi por minha causa...”
- “Não...eu é que devia ser uma mulher de recato e não fui. Estava só, quis ser amada...e amei-o a si, Dário: Um amor que então era pecado mas que hoje...se me quiserdes ainda...
- “ Se vos quero...vós sois a minha vida, já vo-lo disse! Quem, amando sua vida, como eu amo...abdica de um momento por mais curto que ele seja?
Venha meu amor, venha comigo agora. Amemo-nos num amor sem fim!

FIM

[ - Pronto, fiz como dizias: nem suicídio, nem Convento...
- Porra, fizeste da gaja uma p.....
- Olha lá a linguagem, menina! Mas que coisa!
- E queres-me dizer que não ficou a “saber” a novela de cordel? Irra...que foleirada! E o fim...o fim é escabroso. “...num amor sem fim” – endless love – influência dessa música pirosa que andas a ouvir, claro está!”
- “ Pronto...então se fosses tu como farias? Diz!”
- Olha...primeiro o tipo deixava de se chamar Dário e passava a chamar-se Alexandre!
Depois punha a Matilde a comunicar ao seu amorfo Francisco que estava fartinha de o aturar a ele mais à mamã, mais ao vovô...e o raio da famelga toda...e que iria sair de casa levando comigo aquilo a que tinha direito. Depois pedia uma carruagem e ia bater à porta do Dário, ou seja, do Alexandre...e punha o preto no branco: se quer, quer...se não quer há mais quem queira!...E pronto. Dava a coisa por terminada!”
- “ Não podia ser assim tão fácil....havia o escândalo...as convenções sociais....”
- “Maior escândalo do que meteres a gaja a ser puta...não estou a ver....”
- “ Olha...é impossível trocar impressões contigo, sabias? Fim de conversa!”
- “Amanhã dou-te “um toque” e vamos tomar café?”
- “ Talvez...logo se vê. Pira-te!”
- “ Tchau!”
...
- “De facto...a gaja tem razão! Isto está uma foleirada de meter nojo! Que texto pedante!
Centrei-me apenas na acção...descurei os ambientes, as personagens de uma maneira geral...Só espreitei o interior de Matilde...e foi no início...depois, quase esqueci Francisco...as suas razões, os porquês do seu comportamento para com a esposa Matilde! E claro , todo o texto ficou perfeitamente inverosímil....

O melhor é apagar tudo e já...antes que alguém tenha coragem de sequer começar a ler!]

quarta-feira, março 01, 2006

Provação...

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(foto de BlueShell)

Matilde sempre soubera que aquele não era o seu lugar!
Uma aristocracia com que ela nunca se identificara, uma afectação nos gestos e nas poses...até dos criados...intimidavam-na! Faziam-na sentir-se muito pequenina, insignificante, mesmo!...- serei mesmo isso: insignificante! – Pensava muita vez!
E recolhia ao seu quarto para chorar, para lamentar ser mulher, para soltar a raiva e a tristeza que lhe ardiam no peito e na mente! Queria ser diferente! Raios...eu não posso continuar prisioneira de um título, de um nome! Mas era! Era e sabia-o! Só se dera conta disso no dia em que quisera ser “ela-mesma”, levar a sua voz, em melodias suaves, divinais ao sítio que tanto a comovia pela solidão que em si encerrava: o asilo de crianças abandonadas, que ficava a poucos km dali.

A ideia surgira, pura, numa manhã em que os roseirais da grande quinta anunciavam a chegada de um novo dia ! E, por entre as finas porcelanas partilhara com os presentes, sorrindo, essa sua ideia: - “Certamente ninguém se oporá. Um ou dois dias por semana posso cantar para as crianças. Pouco tempo, claro, para não interferir nas tarefas e rotinas...mas...sei que algo assim, diferente, elas vão gostar. Posso cantar música religiosa, também”...

O silêncio que se abateu por sobre a mesa, chícaras, bules, arranjos de flores...fê-la calar e, apreensiva, olhou cada um dos rostos que, de olhos esbugalhados a esmagavam...com olhares de inequívoca reprovação!

Não mais se falara do assunto! Morrera ali...naquela mesa coberta com uma belíssima toalha de linho, trabalhada e com ricas porcelanas em cima!

Matilde recorda ainda tom escarninho e cortante das palavras de seu esposo, Francisco: - Não seja vulgar, senhora!
...E durante várias semanas, como que para a castigar, a porta da câmara que separava seus dois quartos não se abriu!...

(continua)