segunda-feira, outubro 11, 2004

CONTINUAÇÃO VI

Estiveram assim, em silêncio: ele olhando o vazio; ela, de mãos atrás das costas à espera. Subitamente ele voltou-se para ela e numa voz cava e funda, que a fez empalidecer disse apenas – “ Se a senhora tinha a intenção de vir desonrar a minha casa podia tê-lo dito há mais tempo. O nosso trato acaba aqui, neste preciso momento.”
- “Mas, senhor...”
- “Basta. A senhora não será prejudicada. Terá direito ao montante que combinámos, embora ainda faltem 2 meses para se cumprir o tempo do nosso acordo. Peça a uma criada que a ajude a recolher os seus pertences e depois de amanhã abandonará esta casa. Tomarei providências para que tenha uma carruagem à sua espera.” – E Maximiliano disse tudo isto quase de um fôlego só, olhando-a com desprezo enquanto ela, se encolhia mais e mais para a ombreira da porta tremendo.
- Mas eu não entendo...
- “Já disse que basta! Como se atreve a questionar as minhas decisões? Saia imediatamente...”
- “Pois não saio! Não saio e o Senhor perdoar-me-á mas não saio enquanto não souber o motivo de tamanha ira e de tal decisão” – disse Margarida fazendo valer a robustez de mulher do campo que, bem lá no fundo, continuava a ser. E Margarida não era mulher para ouvir e calar...assim..., isso é que era bom! Podia até sair mas primeiro queria tudo às “claras”! Porquê aqueles modos para com ela, porquê expulsá-la assim...ah, exigia ali mesmo uma explicação.
Nunca Maximiliano se vira assim confrontado e isso enfureceu-o ainda mais a ponto de se tornar cínico, pretendendo propositadamente ferir a mulher que ele se habituara a admirar e a ter como companheira nas pequenas e grandes ocasiões do dia-a-dia.
- “Olhai que muito me espanta a vossa falta de respeito próprio. Se uma verdadeira senhora fosse, retirar-se-ia...mas não...quer ouvir da minha boca os porquês? As razões? Como se as não soubesse já...a fazer-se ingénua. Pois ouça: não quero em minha casa, debaixo do meu tecto uma mulher perdida...capaz, quem sabe, de se aventurar por esses bosques com o primeiro homem que lhe aparecer. Ou pensais que eu não observo, não vejo o caso que tendes com Henrique Telles? Parece que até já na vila se comenta, segundo a Governanta me disse ...Já há algum tempo que estou de sobreaviso. E os olhares trocados entre si e o Juiz da comarca?...Um homem casado, pai de filhas...Queríeis saber? Pois aqui tendes: a minha esposa, que por comum acordo nunca se deitou comigo, anda, quem sabe (?) nas mãos de todos os homens das fazendas e herdades ao redor...!
Não teve tempo de terminar porque a mão delicada mas forte de Margarida lhe assentou uma bofetada que, ao tomá-lo de surpresa, o deixou lívido e mudo.
“ - Digo-vos que vos enganais. Nunca ninguém me tocou e sempre me dei ao respeito. Mas agora sou eu, senhor, que darei por perdido o meu amor próprio se mais um dia passar sob o mesmo tecto que o senhor. Com licença” – E abrindo bruscamente a porta da biblioteca ...saíu.
Caminhou a passos firmes para o quarto, não havia uma lágrima, uma expressão que não fosse a altivez do seu porte. Chamou a criada de quarto e deu ordens para que fossem feitas as suas malas. Não queria levar grande bagagem. Nada de vestidos de cerimónia...só o mais simples. As jóias...nunca as considerara suas, eram apenas adereços valiosos que usava para causar boa impressão nas festas. Por isso, as jóias ficavam. Ficavam os capéus e parte do calçado. Ao fim do dia estava pronta para sair. Decidira partir ao outro dia pela manhã. Despediu a criada e, a sós com o silêncio do seu quarto, chorou. Chorou como menina injustiçada, como mulher escorraçada, chorou como esposa nunca amada...e nem se lembra de ter adormecido. Acordou ao som dos pássaros madrugadores...ainda pensou se tinha tido um pesadelo mas não, tudo o que se passara na véspera fora bem real. Estava na hora de partir. Esticou as penas para fora da cama e sentiu o chão fugir-lhe...

marques



Agora ouvia lá longe a voz da criada de quarto que dizia – “ É que todo o dia de ontem a senhora não comeu. Dei com ela desacordada agora há pouco quando vinha abrir as janelas”. E parecia-lhe a voz de Maximiliano...mas estava cansada, cansada demais sequer para abrir os olhos. Sentia frio, muito frio e uma dor fina na perna esquerda.

3 comentários:

Anónimo disse...

Cada vez melhor. Adensa-se o romance e o mistério. Maissssssss:) wind

Estrela do mar disse...

Mas ainda não acabou!!! Suspense até ao fim...estou a gostar...fico à espero do próximo capítulo.
Um beijinho* Conchinha.

Anónimo disse...

:s e agora vem a parte melhor ou nao?

fairy_morgaine
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