quarta-feira, março 01, 2006

Provação...

old

(foto de BlueShell)

Matilde sempre soubera que aquele não era o seu lugar!
Uma aristocracia com que ela nunca se identificara, uma afectação nos gestos e nas poses...até dos criados...intimidavam-na! Faziam-na sentir-se muito pequenina, insignificante, mesmo!...- serei mesmo isso: insignificante! – Pensava muita vez!
E recolhia ao seu quarto para chorar, para lamentar ser mulher, para soltar a raiva e a tristeza que lhe ardiam no peito e na mente! Queria ser diferente! Raios...eu não posso continuar prisioneira de um título, de um nome! Mas era! Era e sabia-o! Só se dera conta disso no dia em que quisera ser “ela-mesma”, levar a sua voz, em melodias suaves, divinais ao sítio que tanto a comovia pela solidão que em si encerrava: o asilo de crianças abandonadas, que ficava a poucos km dali.

A ideia surgira, pura, numa manhã em que os roseirais da grande quinta anunciavam a chegada de um novo dia ! E, por entre as finas porcelanas partilhara com os presentes, sorrindo, essa sua ideia: - “Certamente ninguém se oporá. Um ou dois dias por semana posso cantar para as crianças. Pouco tempo, claro, para não interferir nas tarefas e rotinas...mas...sei que algo assim, diferente, elas vão gostar. Posso cantar música religiosa, também”...

O silêncio que se abateu por sobre a mesa, chícaras, bules, arranjos de flores...fê-la calar e, apreensiva, olhou cada um dos rostos que, de olhos esbugalhados a esmagavam...com olhares de inequívoca reprovação!

Não mais se falara do assunto! Morrera ali...naquela mesa coberta com uma belíssima toalha de linho, trabalhada e com ricas porcelanas em cima!

Matilde recorda ainda tom escarninho e cortante das palavras de seu esposo, Francisco: - Não seja vulgar, senhora!
...E durante várias semanas, como que para a castigar, a porta da câmara que separava seus dois quartos não se abriu!...

(continua)

11 comentários:

Anónimo disse...

A prosa também...uma delícia! Fico ansioso pelo desfecho!

Anónimo disse...

Lindo, fiquei muito curioso no destino da Matilde. É envolvente.
Um beijo.

Amaral disse...

Matilde deslocada, prisioneira, comovente… Matilde, aristocrata, num lugar que não é o seu...

Daniel Aladiah disse...

Querida Blue Shell
O sabor do século XIX... bela prosa.
Um beijo
Daniel

365dias disse...

é hoje? :-)

Anónimo disse...

voltarei pro resto da historia :)*

petal disse...

Gostei muito do conteúdo do seu blog. E voltarei sempre que puder, especialmente para ver qual o desfecho de Matilde.

Parabéns!

Miguel disse...

Uma história sobre uma Matilde ...
Fico á espera da continuação!

Bjks grandes da verdadeira Matilde

O Turista disse...

Passei para desejar bom fim-de-semana!
Beijinhos!

O Turista - http://www.turistar.blogspot.com/

Anónimo disse...

Estou curiosa pelo final...

Blogexiste disse...

Espero que a seguir a Matilde mande o chico apanhar... apanhar um lindo ramo de flores para lhe pedir desculpa! Vamos lá ver como é que acaba!