sábado, outubro 30, 2004

TIVE-TE...


reflexo



...só para mim e,
como criança desastrada
que deixa cair seu brinquedo,
assim eu, distraída e confiante
em teu amor...te larguei
no canto esquecido de meu ser!
Te precisei e te tive
esquecendo que te tinha,
ignorando tua presença
por te saber tão comigo!
AGORA SÓ TE PENSO E TE CHORO
por te saber noutros braços,
esses sim, te procuram e te têm
todo tu, que eras meu...
Esse,meu eu ...perdeu!

quinta-feira, outubro 28, 2004

SUSPEITO BEM...


vento



...que te vi hoje!
levavas no olhar a cor do sonho
E nas mãos a palavra liberdade.
Trazias nos lábios a carícia tão esperada
E pude ouvir-te a alma chamar por mim.

Passaste; não te segui:
deixei que te perdesses na multidão
Desse mundo plural...

Agora, estou só, aqui
Sabendo que jamais chamarás por mim, ou
Me darás a tua mão!

terça-feira, outubro 26, 2004

O vento...


cabelo


...rodopia e me leva para longe os pensamentos...
Finjo que não é o vento que me afaga; finjo que és tu quem me passa as mãos pelos cabelos e me beija na boca. Finjo que és tu quem me envolve em carícias mil! Finjo que a ti me entrego, ignorando o vazio que me rodeia e o vento que teima em me seduzir!

Beleza?

Às vezes, em dias de luz perfeita e exacta

Às vezes, em dias de luz perfeita e exacta,
Em que as coisas têm toda a realidade que podem ter,
Pergunto a mim próprio devagar
Porque sequer atribuo eu
Beleza às coisas.

Uma flor acaso tem beleza?
Tem beleza acaso um fruto?
Não: têm cor e forma
E existência apenas.
A beleza é o nome de qualquer coisa que não existe
Que eu dou às coisas em troca do agrado que me dão.
Não significa nada.
Então porque digo eu das coisas: são belas?

Sim, mesmo a mim, que vivo só de viver,
Invisíveis, vêm ter comigo as mentiras dos homens
Perante as coisas,
Perante as coisas que simplesmente existem.

Que difícil ser próprio e não ser senão o visível!

Alberto Caeiro


domingo, outubro 24, 2004

FRÁGIL DEMAIS...


gota1

(foto de Moreira da Fonseca)

...como a própria VIDA!
Mas parecemos esquecer, a todo o momento, essa fragilidade! E voltamos as costas ao que realmente importa: viver amando, profunda e intensamente! Tão simples...tão complexo!

sábado, outubro 23, 2004

HOJE...


eterno

(foto de Nuno Jorge)

sinto um peso no peito!
Será angústia, incerteza? Medo?
A minha cabeça parece querer explodir de tanto pensar. Tantas são as imagens que já hoje me passaram pela mente. Imagens tristes, de lamento...e o mundo à minha volta continua, como que ondulando...indiferente a lágrimas ou gestos desesperados de quem ergue os braços aos céus numa prece que pode nunca vir a ser ouvida. Parar o tempo! fazer valer o meu querer...quanta ilusão! Quanta presunção....

quinta-feira, outubro 21, 2004

Breves

Tão breves são os momentos que passo a teu lado...
Queria poder fazer dos minutos, horas! Assim, estaríamos os dois juntos mais tempo nesta vida...

quarta-feira, outubro 20, 2004

Não consegui!

Estava a começar de escrever um poema.

Era sobre um menino sem infância, com o olhar cheio de ódio e indiferença; um menino esquecido, espezinhado, maltratado...

Ao terceiro verso os meus olhos estavam já plenos de lágrimas; parei, com as mãos trémulas em cima do teclado! Não conseguia ver o que havia escrito no monitor; no meu peito tinha o peso da angústia, da dor...aquela sensação de se estar a gente a transformar no "outro"...e era já o meu olhar que se enchia de ódio...

Não escrevi o poema:

era sobre um menino sem infância, com o olhar cheio de ódio...

segunda-feira, outubro 18, 2004

Muito longe


machado


Longe de mim...
Que penso de mim
Vendo-me assim...
Ao longe.
Desperto em mim...
E não conheço
A personagem que desempenho...
É um papel...
...como um desenho
Sei onde vou, conheço o Fim,
Não de onde venho.

domingo, outubro 17, 2004

Poema sem cor!


henriques


Julgava saber a cor do céu,
O odor do mar...
Julgava ter guardado p'ra mim
"Aquele lugar"...
Julgava ser tudo p'ra alguém...
E poder levar comigo tua dor,
Dar-te, não indiferença, mas amor...

Afinal...
Não sei do céu a cor
Nem do mar o odor...
Não há, p'ra mim, "aquele lugar"...
P'ra lá não vai o pecador!

Mas posso, sim, mitigar tua dor
Ao dar-te minha vida e meu amor!

quinta-feira, outubro 14, 2004

(Continuação VIII)

Apenas dois dias depois, já Margarida conseguia sentar-se numa cadeira no seu quarto. Pálida e magra mas com um sorriso que preenchia todo o espaço ao redor. Olhá-la era ter o privilégio de poder ver a Vida, ali, naquela mulher-criança.
Toda a casa, ou melhor, todo o palacete parecia agora outro. Os criados já não falavam baixo, as jarras já estavam, de novo, cheias de flores e até o sol, lá fora, aquecia a custo a relva do jardim. Maximiliano estava outro: deixara de parte os convencionalismos e ...pasme-se... um dia até recebeu Henrique Telles. Vinha para ver a senhora e desejar as melhoras. Que tinha andado muito preocupado mas que agora lhe haviam dito que senhora já recebia visitas, se não fosse muito incómodo...
Claro que não era incómodo nenhum e a senhora até ficaria contente por o ver de novo. Quem ouvisse Maximiliano não o reconheceria. Nem um aponta de cinismo, nem de ciúme. E Margarida lá o recebeu na saleta de visitas. Trazia um vestido verde-escuro, de manga comprida, com subtis bordados no decote e nos punhos fazendo realçar a alvura das mãos. Os cabelos negros, levemente ondulados, caíam soltos pelas costas e ombros e davam-lhe um ar angélico, transcendente. A conversa foi trivial e Henrique não demorou. Quando ficaram a sós foi Margarida quem, muito séria, pediu a Maximiliano para se sentar. Era importante o que tinha de ser dito e feito. Mas Maximiliano, sorria quando pegou na cadeira e se sentou à sua frente. Era o sorriso de alguém a quem, literalmente, é dada uma segunda oportunidade de vida. Quis pegar-lhe nas mãos mas ela recusou e então o sorriso dele começou a apagar-se
- “Margarida, há algo que eu quero dizer-vos primeiro, algo que eu já devia ter dito há muito”...
- “Perdoai. Mas deixai-me falar”. – Pediu ela. E continuou: “É chegado o tempo de eu partir, de me ir embora desta casa. Não vou por ressentimento, nem com mágoa, Maximiliano, tente compreender isso. Vou, porque é chegado o tempo. O nosso trato era por um máximo de um ano de um matrimónio só no papel, permitindo-lhe, assim, herdar toda a fortuna de seus antepassados. Era a exigência do testamento. Casei e aceitei os termos desse contrato. Agora quero ir-me embora, levo o que combinámos e partirei. A minha estada nesta casa pode provocar mais malefícios do que outra coisa.
Aprendi muito, fui feliz aqui e tenho de lhe agradecer o facto de ter sido sempre cumpridor da sua palavra, Maximiliano. Mas agora...impõe-se que eu vá!”
Max estava petrificado, lívido...os seus olhos pareciam os de um garoto assustado e quando quis falar...não soube o que dizer. Levantou-se! Da janela podia ver os canteiros do jardim e, lá mais ao longe as árvores. O silêncio pesava. Voltou para perto dela, olhou-a nos olhos, pegou-lhe em ambas as mãos...
- “ Margarida...e se eu lhe disser, se eu lhe jurar por tudo quanto há de mais sagrado que a amo, sim...olhai para mim, olhai e vereis que eu não vos minto, como nunca menti, vós sabeis... eu vos amo, Margarida. Há muito que vos amo mas sempre quis esconder isso de mim próprio. Achava que era fraqueza de homem solitário e que seria coisa passageira. Mas quando quase vos perdi tive consciência da imensidão deste amor, este amor que tenho por vós e que não cabe em palavras, porque enorme demais é para ser apenas dito, pronunciado...este amor que vos tenho quer-se vivido, Margarida e eu preciso de ti, querida para poder viver. Olha para mim, meu amor. Porque choras Margarida? O meu amor é, para ti, uma afronta? Então porquê essas lágrimas? É por não me amares, não é? Eu sei. És mais nova que eu, és linda, terás sempre alguém que te ame, que te queira, eu sei. Provavelmente o teu coração bate já por outro alguém, é isso?” Mas podes dizer-mo. Não te recrimino, tens todo o direito de amar alguém...mas não chores assim, por favor.”
- “Oh, Maximiliano, se soubesse, se soubesse o quanto amo...”
- “ Eu sei que magoa, o amar intensamente, não é?” E dos seus olhos correu então uma lágrima. Considerava-a perdida, perdida para si. Via-a já nos braços de um outro qualquer mas atreveu-se ainda a dizer:
- “Margarida, mas se o meu amor for maior, mais forte...que o desse outro homem por quem tu...”
- “Não, não entendeis nada! Eu amo, sim, mas amo-vos a vós. Amo-te a ti, meu esposo, amo-te a ti Maximiliano. Ou porque achas que durante quase um ano te acompanhei para todo o lado, me sujeitei a ser ensinada a ter “maneiras de senhora”, como tu dizias, senão por amor ao homem por quem me apaixonei assim que o vi? Porque achas que aceitei desempenhar esta farsa? Pelo valor material que seria a minha recompensa no final do nosso trato? Oh, Maximiliano, senhor, por muito barata me tomais...fi-lo para poder estar perto de vós, de ti...porque te amo...”
Não preciso entrar em pormenores. O caro leitor certamente imagina o que se seguiu. Maximiliano arrebatou-a para si, procurou-lhe sofregamente a boca e num beijo, daqueles beijos que fazem parar o tempo, que fazem o cosmos perecer um pontinho insignificante...assim estiveram. Ambos choravam de felicidade. Ele sentia o corpo dela junto ao seu, sentia-lhe os seios colados ao seu peito ofegante e a desejou com uma intensidade que parecia levá-lo à loucura...Os dois eram, finalmente, um só!
- “ Não, não Maximiliano....por favor, não!”
Maximiliano quase endoidecia. Subitamente ela o afastara de si, quase com repulsa...ele nada entendia, não podia entender...
- “ Margarida, mas...”
- “ Precisamente porque foi preciso eu adoecer gravemente para tu achares que eu te era importante. Foi o medo de me perderes, é o medo de me perderes que tu sentes, não é amor, Maximiliano. Porque no dia antes de eu partir, antes de eu adoecer tu sabias que eu ia embora e nada fizeste para me deter. Só quando o espectro da morte...
–“ Porque eu nesse dia estava cego de ciúmes, ou não te recordas? Eu tenho ciúmes, eu tive ciúmes...e o meu orgulho não me deixava correr atrás de ti naquele dia. Mas certamente correia atrás de ti no dia seguinte...
- “ Não, não irias atrás de mim. Só quando pensaste que eu te iria morrer nos braços é que tiveste pena de mim...e achaste que me devias alguma coisa. Achaste que me devias compensar amando-me. Mas na realidade, Maximiliano, tu não me amas. Queres-me ao teu lado, como até agora, para teres a tua consciência tranquila. Pois podes ficar de consciência tranquila porque não adoeci por tua causa, nem por causa de me teres desejado fora desta casa.”
- “ Como podes, Margarida, saber se o que eu sinto é amor ou não? Como te atreves a julgar os meus sentimentos? Como explicas aquele beijo de há pouco?”
Súbito, a porta da saleta abriu-se, Marie entrou e fechou a porta atrás de si. Vinha com os olhos banhados em lágrimas.
- “ Perdoai, ouve-se tudo lá fora e eu não pude deixar de intervir uma vez que a culpada desta discussão sou eu. Apenas e somente eu.”
-“ Marie, não!” – Implorou Margarida.
- “ Minha senhora, perdoe mas eu tenho de falar. Deixai que me sente...é que estas pernas já querem dar de si...!
- “Não entendo, Marie! Que tens tu a ver com tudo isto?” Perguntou Maximiliano.
Margarida foi até à janela. Baixinho chorava. E Marie começou a contar como desde sempre cuidara do seu menino, como se preocupava com as companhias femininas que ele escolhia. Nunca dissera nada mas lamentava que o seu menino só trouxesse para casa mulheres fúteis e interesseiras. Sem que ninguém se apercebesse afeiçoara-se a Margarida por a saber moça simples, honesta e porque compreendeu bem cedo o quanto Margarida amava o seu menino. Por isso, naquele dia em que Margarida, com a criada de quarto, fazia as malas, Marie preparou um chá de ervas daninhas que quase matou Margarida. Administrado em pequenas doses o chá poria Margarida doente, febril...mas um ligeiro engano, um pouco mais e seu efeito seria letal. E é por isso, caros leitores, que não revelo aqui a composição de tal chá! Seria muito perigoso dar a conhecer uma mistura de ervas que, como última consequência, provoca a morte. Perdoar-me-ão, mas o segredo fica entre mim e as personagens. Sim, personagens! É que Margarida, mulher do campo, conhecia bem o efeito de tal chá. Mas estava doente demais para se defender. Porém quando Marie conseguiu que Maximiliano lhe confessasse o seu amor por Margarida, não mais lhe deu chá. E Margarida melhorou. E depois não descansou até descobrir quem lhe dava o chá e porquê!
- “ Marie, tu foste a responsável pela doença de Margarida?”
- “ Sim, Maximiliano, foi ela...mas sabes por que razão o fez? Para te fazer pensar que me perdias. Para te levar a crer que me amavas...e conseguiu. Mas, como disse há pouco, isso não é amor: é medo de me não teres por perto, medo de me perderes, Maximiliano.
- “Seja, Margarida...seja medo de te perder. E depois? O amor não passa também pelo medo, pelo pavor de se perder a pessoa que se ama?
- “Perdoai, mas eu ainda não acabei. Sim, dei o chá, cuidadosamente à senhora, tremendo para que não me enganasse na mistura. E soube o que agora os dois sabeis: que vos amais. Mas continuais, perdoai que esta velha governanta o diga, obstinados e orgulhosos. O amor é uma coisa tão simples...sente-se, vive-se, partilha-se! E vós ides deixar que esse amor se perca, sereis dois seres amargos, solitários e sempre revoltados com a vida...olhai que eu sei. Agora permiti que me retire. Fiz mal...espero o castigo que entenderdes aplicar-me. Mas fiz o que um dia me fizeram a mim para eu perceber o quanto amava um homem. Soube que o amava mas não quis, por capricho, aceitar o amor dele. Fiquei só, terrivelmente só. Apenas pude agarrar-me à vida por saber que havia uma criança, sem mãe, a quem eu queria como a um filho – o menino Maximiliano.”
E saiu, fechou a porta da saleta...deixou atrás de si aqueles dois, marido e mulher, que nunca o haviam sido. Amavam-se e sabiam disso. Como poderiam ignorar esse amor?
Lá fora estava escuro, já! A saleta estava apenas iluminada por um humilde candeeiro. Os dois procuravam o olhar um do outro: o olhar não mentia, como não mentiam os beijos que trocaram, as palavras que segredaram e as carícias tímidas com que acariciaram os corpos um do outro...sim, os corpos daqueles dois que agora...eram, de facto, marido e mulher.
(FIM)

Pronto, pronto...vou mesmo terminar

Agora é que vai ser o fim...que isto deixa de ser um conto e passa à categoria de novela, não tarda nada...
Aí vai...só um minuto....

quarta-feira, outubro 13, 2004

CONTINUAÇÃO VII

Nos dias que se seguiram Maximiliano quase não saía da cabeceira de Margarida. Ás vezes, quando a governanta Marie vinha com o chá, a única coisa que Margarida conseguia beber a pequenos tragos, é que Maximiliano se ausentava. E no corredor, ou na biblioteca, deitava mãos à cabeça e, longe de todos, deixava-se chorar. Olhava os jardins por onde Margarida tanto gostava de correr. E ele sempre implicara com esse tipo de comportamento pouco digno de uma senhora. Quem dera que agora a pudesse ver, de cabelos soltos, a arregaçar o vestido que parecia que a elevava no ar e que esvoaçava…que ele bem lá no fundo sempre gostara de a admirar correndo como uma miúda, assim, livre como ele nunca se permitira ser…
Mas agora nem os melhores médicos sabiam explicar aquela febre, aqueles vómitos e aquela debilidade que se agravava de dia para dia.
Sei que os meus caros leitores já sorriem e dizem: - “Olha, a doença dos Românticos…provavelmente está tuberculosa ou apenas a morrer de amores”…Nada disso, estimado leitor…que eu não vos faria tamanha desfeita, confiai!
O que é certo é que quase depois de quinze dias confinada ao leito Margarida abriu os olhos e vendo Max deixou fugir uma lágrima.
- “ Afinal, parece que não me fui embora como o meu senhor queria…”
- “Shiuuuu…não deveis falar, Margarida, descansai…” E sorriu-lhe, suspirou de cansaço mas pensou – “ Que Deus cuide dela e a melhore…tudo está agora nas Suas mãos”.
Parecia ter envelhecido dez anos. Recostou-se na cadeira e, como fazia há vários dias, observou cada expressão do rosto daquela mulher. Via-a ali, deitada, indefesa, e apetecia-lhe abraçá-la, aconchegá-la, tê-la junto ao seu corpo, sentir o calor daquela febre que teimava não passar…
Quisera expulsá-la de sua casa e agora que quase a perdia não imaginava ser possível viver sem as suas “tropelias”, a sua altivez, a sua irreverência, a sua faceta de criança rebelde que o enlouquecia e lhe provocava uma excitação que ele desconhecia e o desnorteava…
E via-a dormir. Sentia o seu seio arfar…e desejava beijá-la, mergulhar naquele corpo, o corpo da sua mulher…que nunca fora seu, nunca lhe pertencera. Sabia-o agora: sim, amava…amava desesperadamente aquela criatura de Deus. Sem ela nada valia a pena. Seria pecado tamanho amor? Seria por isso que iria perdê-la? Por a amar tanto assim? Não…não: Deus não o podia permitir…e ergueu-se bruscamente, deu alguns passos em direcção à janela, e de mãos na cabeça, era visível a sua dor, o seu desespero!
Foi interrompido por Marie, a governanta, que desta vez trazia um caldo.
-“ Perdoai, senhor. Ela já deu de si?”
- “Sim, há pouco quis falar…pode ser que…que esteja a melhorar, não sei…já não sei nada”…
Qualquer pessoa se compadeceria daquele homem curvado à dor a uma perda que antecipava já.
-“Senhor, menino Maximiliano, tende fé…como a senhora vossa mãe me dizia!… e lembrai-vos que há duas gerações que estou nesta casa, já vi o menino nascer, conheço-o como a minhas próprias mãos e adoro-o como a um filho. Quando sua mãe partiu (que Deus a tenha) jurei a mim mesma cuidar do menino como se fosse meu filho. E uma coisa lhe garanto: a senhora vai ficar bem, tende fé, eu sei que ela vai ficar bem…
- “Mas, Marie, como pode dizer isso sabendo que nenhum remédio, nenhum médico…
- “ Mas eu sei, senhor, eu sei que ela vai ficar boa.
- “ Mas como?...Não entendo…
O olhar de Marie era penetrante: - “ apenas porque ela vai saber o que o menino já sabe. Que não consegue viver sem ela, só isso. Pois não é verdade? Não é verdade que amais esta mulher mais do que a própria vida? Dizei-mo, ou então, menti, se tiverdes coragem para negar…”
-“ Oh, Marie, só tu…deixa que te trate assim…só tu podias adivinhar o que sinto por ela. Sim, amo-a, quero-a ao meu lado, sempre, sempre comigo, só minha…dar-lhe todo o meu amor…mesmo que ela me não ame…quero eu amá-la, o meu amor será forte e eu quero apenas poder amá-la! Meu Deus…eu quero-a viva, quero-a para mim, só…” mas não pôde continuar…os soluços sacudiam agora aquele corpo forte de homem!
- “Pois eu vos digo…ela vai melhorar. Vós é quem agora precisa descansar. Ide, ide enquanto eu lhe dou este caldo antes que arrefeça”…E quem olhasse atentamente podia ver um sorriso bondoso no rosto sulcado de rugas de Marie.

terça-feira, outubro 12, 2004

ATENÇÃO

...que isto agora vai direitinho e rapidinho até ao fim...hheheheehh...Tive um sonho... e já sei o que vai acontecer. Sei mais do que vós...acho!

segunda-feira, outubro 11, 2004

CONTINUAÇÃO VI

Estiveram assim, em silêncio: ele olhando o vazio; ela, de mãos atrás das costas à espera. Subitamente ele voltou-se para ela e numa voz cava e funda, que a fez empalidecer disse apenas – “ Se a senhora tinha a intenção de vir desonrar a minha casa podia tê-lo dito há mais tempo. O nosso trato acaba aqui, neste preciso momento.”
- “Mas, senhor...”
- “Basta. A senhora não será prejudicada. Terá direito ao montante que combinámos, embora ainda faltem 2 meses para se cumprir o tempo do nosso acordo. Peça a uma criada que a ajude a recolher os seus pertences e depois de amanhã abandonará esta casa. Tomarei providências para que tenha uma carruagem à sua espera.” – E Maximiliano disse tudo isto quase de um fôlego só, olhando-a com desprezo enquanto ela, se encolhia mais e mais para a ombreira da porta tremendo.
- Mas eu não entendo...
- “Já disse que basta! Como se atreve a questionar as minhas decisões? Saia imediatamente...”
- “Pois não saio! Não saio e o Senhor perdoar-me-á mas não saio enquanto não souber o motivo de tamanha ira e de tal decisão” – disse Margarida fazendo valer a robustez de mulher do campo que, bem lá no fundo, continuava a ser. E Margarida não era mulher para ouvir e calar...assim..., isso é que era bom! Podia até sair mas primeiro queria tudo às “claras”! Porquê aqueles modos para com ela, porquê expulsá-la assim...ah, exigia ali mesmo uma explicação.
Nunca Maximiliano se vira assim confrontado e isso enfureceu-o ainda mais a ponto de se tornar cínico, pretendendo propositadamente ferir a mulher que ele se habituara a admirar e a ter como companheira nas pequenas e grandes ocasiões do dia-a-dia.
- “Olhai que muito me espanta a vossa falta de respeito próprio. Se uma verdadeira senhora fosse, retirar-se-ia...mas não...quer ouvir da minha boca os porquês? As razões? Como se as não soubesse já...a fazer-se ingénua. Pois ouça: não quero em minha casa, debaixo do meu tecto uma mulher perdida...capaz, quem sabe, de se aventurar por esses bosques com o primeiro homem que lhe aparecer. Ou pensais que eu não observo, não vejo o caso que tendes com Henrique Telles? Parece que até já na vila se comenta, segundo a Governanta me disse ...Já há algum tempo que estou de sobreaviso. E os olhares trocados entre si e o Juiz da comarca?...Um homem casado, pai de filhas...Queríeis saber? Pois aqui tendes: a minha esposa, que por comum acordo nunca se deitou comigo, anda, quem sabe (?) nas mãos de todos os homens das fazendas e herdades ao redor...!
Não teve tempo de terminar porque a mão delicada mas forte de Margarida lhe assentou uma bofetada que, ao tomá-lo de surpresa, o deixou lívido e mudo.
“ - Digo-vos que vos enganais. Nunca ninguém me tocou e sempre me dei ao respeito. Mas agora sou eu, senhor, que darei por perdido o meu amor próprio se mais um dia passar sob o mesmo tecto que o senhor. Com licença” – E abrindo bruscamente a porta da biblioteca ...saíu.
Caminhou a passos firmes para o quarto, não havia uma lágrima, uma expressão que não fosse a altivez do seu porte. Chamou a criada de quarto e deu ordens para que fossem feitas as suas malas. Não queria levar grande bagagem. Nada de vestidos de cerimónia...só o mais simples. As jóias...nunca as considerara suas, eram apenas adereços valiosos que usava para causar boa impressão nas festas. Por isso, as jóias ficavam. Ficavam os capéus e parte do calçado. Ao fim do dia estava pronta para sair. Decidira partir ao outro dia pela manhã. Despediu a criada e, a sós com o silêncio do seu quarto, chorou. Chorou como menina injustiçada, como mulher escorraçada, chorou como esposa nunca amada...e nem se lembra de ter adormecido. Acordou ao som dos pássaros madrugadores...ainda pensou se tinha tido um pesadelo mas não, tudo o que se passara na véspera fora bem real. Estava na hora de partir. Esticou as penas para fora da cama e sentiu o chão fugir-lhe...

marques



Agora ouvia lá longe a voz da criada de quarto que dizia – “ É que todo o dia de ontem a senhora não comeu. Dei com ela desacordada agora há pouco quando vinha abrir as janelas”. E parecia-lhe a voz de Maximiliano...mas estava cansada, cansada demais sequer para abrir os olhos. Sentia frio, muito frio e uma dor fina na perna esquerda.

quarta-feira, outubro 06, 2004

CONTINUAÇÃO V

Mais festas se seguiram e o casal marcava a sua presença sempre com uma postura social e moralmente invejável. Max estava cada vez mais orgulhoso de sua esposa e Marge quase já não fazia esforço para causar boa impressão. Era natural, espontânea....encantadoramente feminina!
Uma dessas noites, no salão contíguo à sala de música do palácio do Telles, amigo de longa data de Maximiliano, e por entre os cetins púrpura que vestiam paredes e bancos, a conversa entre Marge e Henrique era animada. Discutiam a “virtude de um homem de leis”, como Henrique em defender criminosos assumidos. Marge achava admirável se bem que um pouco fora seus princípios morais. Henrique...pois quem era Henrique? Henrique Telles, filho do abastado Eduardo Telles, jovem advogado, cobiçado pelos melhores partidos da região, tinha frequentado as melhores universidades do estrangeiro e exercia agora a sua profissão com êxito e orgulho. O velho pai preferia vê-lo casado e a tomar as rédeas das herdades da família...mas o rapaz, filho único, saíra travesso, paciência! Era como a mãe: bonito mas muito senhor das suas convicções!
E, encostado à ombreira da porta, com um copo de xerez na mão, Maximiliano observava-lhes os gestos, os sorrisos o olhar brilhante de Margarida. Hoje o preto do vestido, em contraste com o seu colo ebúrneo, davam-lhe um ar quase sobrenatural. E ele observava-lhe o cabelo sedoso que lhe pendia para as costas e quase chegava à cintura. E observava Henrique que, como um Hércules, se inclinava sobre ela como se lhe segredasse algo.
Nessa noite, na caleche, já de volta ao seu palácio...só Marge , ainda eufórica, contava o teor da sua discussão com Henrique. Parecia uma criança a quem dessem um novo brinquedo e não se cansava de o exibir...
- “Se a senhora, minha esposa, fizer o favor de se remeter ao silêncio”...Foram as únicas palavras que Marge ouviu e calou-se. Não entendia o porquê da rispidez da voz de Maximiliano, nem entendia o seu silêncio. Talvez estivesse doente, alguma dor...Quase abria a boca para perguntar mas...sabendo que isso poderia irritá-lo não disse coisa alguma.
Ao outro dia, a criada de quarto veio acordá-la cedo dizendo que o senhor estava na biblioteca à espera dela. Parece que queria conversar com a senhora...não sabia de mais nada! Tinham sido as ordens que a governanta lhe transmitira.
Preocupada, arranjou-se à pressa, e desceu sem tomar o pequeno-almoço. Só se ouvia o ecoar dos tacões dos seus sapatos e, quase ofegante, chegou à porta da biblioteca, respirou fundo, bateu e, depois de ouvir um “entre”...entrou. Maximiliano estava de pé, de costas para a porta, olhando a paisagem pela janela. Ela esperou, de pé também.

terça-feira, outubro 05, 2004

ESPERAI AÍ...

...é que estou indecisa entre matar Margarida ou deixar suicidar o Maximiliano...
Esperai...é só um instante. É que tenho de arranjar uma arma, um assassino, o móbil do crime...ou então optar por veneno - no caso do Maximiliano - (tenho de ir consultar ume enciclopédia para ver os tempos de reacção e as quantidades)...e depois tratar da nota de suicídio...( veneno é mais usado para mulheres...não para um macho viril como Max...)Talvez um punhal...
Estais a rir??? Pois olhai que não é tarefa fácil!!!
Mas esperai...que sair...sai!

domingo, outubro 03, 2004

Um renque...


alaranjadas



Um renque de árvores lá longe, lá para a encosta.
Mas o que é um renque de árvores? Há árvores apenas.
Renque e o plural árvores não são coisas, são nomes.

Tristes das almas humanas, que põem tudo em ordem,
Que traçam linhas de coisa a coisa,
Que põem letreiros com nomes nas árvores absolutamente reais,
E desenham paralelos de latitude e longitude
Sobre a própria terra inocente é mais verde e florida do que isso!

Alberto Caeiro
Eu gostaria de ter dito isto...mas Fernando Pessoa...antecipou-se! Gosto dele!

sábado, outubro 02, 2004

CONTINUAÇÃO IV


interior


E durante todo o jantar Margarida comportou-se de forma exemplar. Irrepreensível! Os seus comentários eram pertinentes e oportunos e mesmo quando alguém lhes perguntou: -“ e então para quando um bebé cá em casa?” – Ela respondeu simplesmente – “-Quando for da vontade do meu senhor”...o que foi interpretado pelas “beatas” do sítio como uma prova de máxima, imensa e inequívoca religiosidade. Havia quem dissesse que Max, como era tratado pelos amigos, tinha conseguido esconder aquela “relíquia” e que agora compreendiam bem a razão, e davam-lhe os parabéns...apesar de quase todos não tirarem os olhos dela e invejarem Max pela “sorte”que que tivera! Mesmo as senhoras...não deixavam de ter uma pontinha de inveja. Ela vestia bem, era linda e jovem, era amada por um homem tantas vezes cobiçado...mas que teimara em permanecer solteiro até agora! Uma coisa que só se entendia se ela o tivesse enfeitiçado, dizia a Baronesa em surdina à mulher do comendador.
Mas, como o meu caro leitor se recorda....este casamento era uma farsa! Permitia assim que Maximiliano recebesse uma herança jamais pensada por aquelas bandas. E que nem Max, nem Marg haviam sequer trocado um beijo...quanto mais comungado o leito conjugal. E ainda, estimado leitor, ao fim de um ano, dariam fim ao “matrimónio, Marg receberia alguns bens e continuaria a sua vidinha pacata na aldeia de onde era natural. Isto para que o leitor distraído, como eu sei que é, perceba como foram difíceis para Marg estes cinco meses de adaptação a uma vida que ela nem imaginava que existia. Percebeis também que ela não era feliz...ou só o era quando corria livremente pelos campos (coisa que irritava solenemente Maximiliano, já o dissemos)
(continua...e o melhor está para vir....)

sexta-feira, outubro 01, 2004

Respiro o teu corpo

Respiro o teu corpo:
sabe a lua-de-água
ao amanhecer,
sabe a cal molhada,
sabe a luz mordida,
sabe a brisa nua,
ao sangue dos rios,
sabe a rosa louca,
ao cair da noite
sabe a pedra amarga,
sabe à minha boca.

Eugénio de Andrade