(foto de BlueShell)
O dia amanheceu resmungão e de mau humor. Mas algo o alegrou pois o fim-de-tarde estava, agora, repleto de um sol límpido, puro que se roçava desavergonhadamente nas copas das árvores e beijava longamente as flores numa dança de luz e movimentos estonteantes.
Os seus pensamentos iam para aquela que o enfeitiçara havia agora quatro anos. Era uma criança ainda. Bela, cândida...tomara-o como seu único amor! [ - “sabia-se lá porquê” – pensava ele -] Uma esposa exemplar. Em tudo...o orgulho de um homem. Sim, sempre se sentira orgulhoso só de a ter ao seu lado!
Era invejado...
Era um homem feliz!
E quando seus corpos, numa entrega única, se uniam...ele sabia que se pertenciam.
Beijos, carícias e depois aquele olhar dela, aqueles seus olhos castanhos que lhe diziam – “ És meu”...enlouqueciam-no.
O sol estava, agora, mais fraco.
Ele não chegara a saber como tudo acontecera.
Hoje, só, um espectro do que outrora fora, lembrava vagamente, com dor, aquela figura alta, esguia, sofisticada. Aqueles olhos azuis, sedutores...aquela pele sedosa, aqueles seios onde se deixou mergulhar...
Soubera-lhe bem aquele corpo pelo que ele tinha de proibido, de pecaminoso. Devassou-o com prazer, por prazer! E ela...ela queria, pedia sempre mais, exigia mais ardor, mais loucura!...
Deu-lhe tudo! Entregou-se-lhe todo. Deu-se todo em fúria e deleite.
Esquecido daqueles olhos castanhos fez-se mais homem naquela noite.
A noite era escura, já. O sol, exausto de tanto namorar, tinha dado lugar à lua e às estrelas. O vento esbofeteava-o...e o frio entranhava-se-lhe na alma.
Vira-a fazer as malas! Seus olhos castanhos, tristes e traídos, húmidos de lágrimas pediam uma palavra. Uma única palavra.
Mas ele permaneceu...em silêncio.
Ela bateu a porta devagar deixando para trás quatro anos de recordações de paixão e amor.
Dos olhos azuis nada mais soube.
O frio era agora ainda mais intenso. Tremia descontroladamente. Sentiu as náuseas...as primeiras convulsões...e nada mais soube de si.