(Foto de BlueShell) - Mangualde, Portugal
Olho a folha em branco e nada vejo ,nada sinto… Meus olhos a percorrem na avidez de quem procura um laivo de inspiração. Mas o branco da folha permanece , atroz…e teima em dizer, repetida e teimosamente: “Não”!
O desalento prestes a tomar conta de mim…quando sinto passos apressados….
Oh…É Helena que sobe ágil e rapidamente as escadas de granito da pequena e velha habitação. Traz ao colo o garoto mais novo de quase 1 ano; carrega-o de lado só num braço apoiando-o na anca. No outro braço a alcofa da merenda , agora vazia que foi levar ao campo a mais de hora e meia de caminho. João, o seu homem, mais o António, o vizinho andaram todo o dia no lameiro mais a junta de bois a lavrar e a fresar a terra. Daí a nada começava a escurecer e ela teria de lhes dar um prato de sopa e uns nacos de broa e queijo.
Já na pequena cozinha coloca o garoto numa manta, no chão, e ateia as brasas da pilheira. É preciso fazer o caldo para a ceia – pensa Helena.
Enquanto partia o caldo e descascava as batatas deixou-se levar pelos seus pensamentos e nem deu conta do passar do tempo… Era menina ainda quando João lhe falara e antes que ela pudesse decidir já seus pais tinha autorizado o casamento. Tinha então 17 anos. Sabia ler e escrever, sabia costura, sabia da lavoura, sabia da lida da casa…mas não sabia ser esposa/mulher.
Tantas vezes se sentira violada pelo marido quando este, vindo das terras, suado e a cheirar a vinho teimara entrar dentro dela à força…e assim nasceram os dois filhos….
(Foto de BlueShell) - Mangualde, Portugal
Tinha três irmãos mais velhos cujo paradeiro desconhecia. Sabia que estavam emigrados…mais nada sabia deles. Agora tinha o seu homem e seus dois filhos, mais ninguém. Oh…o Álvaro!
Sobressaltada, Helena olhou pela janela e pareceu-lhe que Álvaro já devia ter chegado com o rebanho. Já não era cedo: ter de arrumar as ovelhas, fazer a ordenha…ia para de noite. Que andaria o rapaz a fazer?
O caldo já fervia na panela de ferro…O garoto começou num berreiro que a deixou mais nervosa. Deviam ser os dentitos, pensou. Deu-lhe uma côdea de pão e ele sossegou. Não sabia o que fazer. Súbito pegou no garoto, agasalhou-o num xaile e correu pelo carreiro de acesso aos prados onde Álvaro andaria com o rebanho. Em cima da mesa, a lápis, num papel pardo duas palavras, “procurar Álvaro”! E correu mais de meia-hora…quando, já sem fôlego, ouviu o ruido dos badalos das ovelhas. Parou de correr mas o seu coração de mãe adivinhava coisa ruim. O gado andava disperso…e não via o filho de apenas 8 anos. Num fio de voz chamou o seu nome…e um gemido veio de perto de uma macieira “mãe, estou aqui, mãe”! - “Oh filho, eu estava tão aflita, que aconteceu?” - Acho que parti um pé…saltei abaixo do muro para ir atrás de 2 cabras que iam a fugir e não me consegui levantar mais…” - “Pronto, estou aqui, eu levo o gado e trago o teu pai – num instante estarás em casa”.
“ – Trouxeste o Aníbal…! - Sim, não podia deixá-lo sozinho em casa. Tive medo que fosse para lareira e se queimasse. Adormeceu de cansaço, coitadito…. E Helena pegou-lhe , com cuidado, para o mudar de posição. Foi então que ficou branca e seus olhos só deixavam transparecer terror. – “Mãe? Mãe, o que é que ele tem? Está azulado…os beiços roxos…que é que ele tem, mãe? - “Ele dorme, com os Anjos”.- respondeu Helena com uma voz rouca . Apertou o filho junto ao seu peito e assim ficou longo tempo.
O caldo já fervia na panela de ferro…O garoto começou num berreiro que a deixou mais nervosa. Deviam ser os dentitos, pensou. Deu-lhe uma côdea de pão e ele sossegou. Não sabia o que fazer. Súbito pegou no garoto, agasalhou-o num xaile e correu pelo carreiro de acesso aos prados onde Álvaro andaria com o rebanho. Em cima da mesa, a lápis, num papel pardo duas palavras, “procurar Álvaro”! E correu mais de meia-hora…quando, já sem fôlego, ouviu o ruido dos badalos das ovelhas. Parou de correr mas o seu coração de mãe adivinhava coisa ruim. O gado andava disperso…e não via o filho de apenas 8 anos. Num fio de voz chamou o seu nome…e um gemido veio de perto de uma macieira “mãe, estou aqui, mãe”! - “Oh filho, eu estava tão aflita, que aconteceu?” - Acho que parti um pé…saltei abaixo do muro para ir atrás de 2 cabras que iam a fugir e não me consegui levantar mais…” - “Pronto, estou aqui, eu levo o gado e trago o teu pai – num instante estarás em casa”.
“ – Trouxeste o Aníbal…! - Sim, não podia deixá-lo sozinho em casa. Tive medo que fosse para lareira e se queimasse. Adormeceu de cansaço, coitadito…. E Helena pegou-lhe , com cuidado, para o mudar de posição. Foi então que ficou branca e seus olhos só deixavam transparecer terror. – “Mãe? Mãe, o que é que ele tem? Está azulado…os beiços roxos…que é que ele tem, mãe? - “Ele dorme, com os Anjos”.- respondeu Helena com uma voz rouca . Apertou o filho junto ao seu peito e assim ficou longo tempo.
(Foto de BlueShell) - Mangualde, Portugal
E Helena olhava, sem ver, a imensidão dos montes à sua frente…o infinito de terras …e de sofrimento que a enterrava viva ali, naquele momento.
Do que se passou a seguir Helena não soube mais nada. Apagou-se ali, naquela hora, a sua Luz.
Não sabia, porque nunca ninguém lhe houvera dito que, na sua correria com seu filho ao colo, poderia provocar-lhe a morte…ela não sabia e nunca o soube…porque nunca mais recuperou o entendimento…
…e a minha folha de papel voltou a ficar branca…apenas manchada por aquilo que são alguns pingos de lágrimas vertidas por Helena…
58 comentários:
Wow!!Amazing photos!!Love them all!!Happy weekend!!
Dimi..
Minha querida
O teu texto emocionou-me e fiquei, quase, com umas lagrimazitas no 'canto do olho'.
Uma história de vida, completa, nos ofereceste aqui, e em poucas palavras, duma sensibilidade imensa. A mulher, a mãe, o ser humano, com as suas dores, grandes e trágicas...
Não sei o tem este sábado de especial, pois, é o segundo texto que leio, e, tanto um como outro repletos de inspiração. E eu penso:
Valeu a pena ter aqui vindo! Levo comigo, junto ao coração mensagens de muito amor e carinho, e também da nossa condição de seres frágeis mas sublimes.
Beijos
Olinda
Menina, as tuas fotos são lindíssimas!
Tinha de voltar para te dizer isto, pois mereces.
Mais bjs
Olinda
Helena...
Tão bonito, infelizmente...
Adoro as suas fotos, "storinha" linda!
Oi Blue,
Foto e textos maravilhosos.
A dor de Helena é perceptível tamanha a sensibilidade da sua narrativa.
Porém as fotos... Dão vontade de conhecer este lugar.
Lindo!
Abraços
Leila
Olá Blue,
Lindo o texto que vindo de ti não me admira. História triste? talvez, pelo desenlace, mas rica em sentimentos, na magia das palavras que nos arrastam com elas....
As fotos são lindas - já conheço o lugar.
Beijo e bom ano que agora começa
Estou aqui emocionada.Lindo conto! Cheio de sensibilidade! E, tuas fotos ,maravilhosas igualmente! beijos,lindo fds! Ah! Também um ótimo SETEMBRO! chica
Imposante Fotos und ein bereichernder Text...
Lieben Gruß
CL
Nem te consigo comentar...
Beijo.
that first photos is just so beautiful.
Belo! Toda a beleza da angústia irreparável, do remorso tardio e descabido. Boa semana, amiga!
the translation came through a little rough, but the baby choked on bread and died? a sad tale.
Um belo e triste conto, Blue! Tantas Helenas por esse Portugal de antanho!
Triste. Muito triste!
Mas lindíssimas as imagens!
Beijinho
não tenho palavras para comentar...
é tão triste!
beij
The pictures are beautiful.I tried the translation in Englisch and in Dutch ,but it works so bad.I think it is a sad story.
Love Elisabeth
Boa tarde amiga querida !!!!
Como sempre vc nos traz seu mundo da escrita para nós e refletir nos transforma sempre....
bjssssssssss
Belissimo texto
Vim lhe desejar um tempo de Paz
Tenha um fim de semana, legal
Força Sorte e Contentamento
Abraços, abrasileirados
Fiquei emocionada...sem palavras!
Quantas Helenas não há por esse Potugal...
Belíssimo fotos ilustrando tão comovente e belo texto!
Beijos.
Lindas fotos para uma história tão triste!
Beijinho
Essa foto de Mangualve se eu não tivesse lido a legenda da foto diria que tinha vindo ao Algarve, mais propriamente à serra de Monchique. Tem uma vista fantástica.
Querida BlueS, um bom fim-de-semana
Lindo e emocionante conto Blue, fico imaginando quantas Helenas ainda existem por ai...
Fotos maravilhosas!
Um grande abraço e um domingo de muita paz!
A dor maior que uma mãe pode ter. Perder um filho...
Quando ninguém ensina, por vezes o sabor do saber é muito amargo...
Beijinho muito grande
Tantas Helenas sofridas e infelizes por esse mundão de meu Deus.
O sofrimento além da conta[e perder um filho creio que é o pior sofrimento] faz com que a pessoa saia de si, para não sofrer, para não pensar, para não morrer de novo...
beijokas doces e muito comovento seu conto Blue.
Gostei do texto e achei as fotos lindas, principalmente a primeira.
E tua mãe, como vai? Espero que esteja recuperando bem.
Um abraço para vós ambas.
Good morning honey
lovely foto's again, and the first one has beautiful colors....i like this.
Wish you a very good sunday.
Hugs and kisses, Joop x x
What a sad story! Your photos are beautiful lovely scenes. Have a great day!
Querida muito triste e lindo pois cheio de sentimentos verdadeiros e lágrimas sinceras....
Parabéns pela emoção que sentimos ao te ler.
Beijos e bom domingo!!
Minha amiga uma história de vida e dor escrita com tanta sensibilidade que quase nos leva a sentir a imensorável dor que tocou o coração daquela mãe.
Belissimas fotografias.
Boa semana
Beijinhos
Maria
Quanta sensibilidade, Blue. Sinto tanto não ter podido vir com mais frequência. Quando venho é sempre emocionante, como agora.
Muita saúde e paz.
Grande abraço.
Gilson.
Uma história de vida contada com uma sensibilidade extraordinária.
Perda maior, tenho a certeza que não existe.
Por razões que não vem ao caso, escuto e conheço histórias de vida como esta.
P.S. não podia de deixar de elogiar as excelentes fotografias!
Abraço
As fotos o texto são emocionantes, minha querida! Muito bem escrito. Parabéns!
Abração.
Me deixou emocionada, beijo Lisette.
Such lovely scenes and such a sad story....A mother's love goes on forever. Wishing you a happy September with warm sunshine. xx
Belas fotografias para um texto espectacular....
Cumprimentoas
Minha querida,
Bem elaborada história de vida,melancólica e triste, retratando a dureza da vida no campo ,
o sofrimento de uma mãe/menina, na luta diária e sua dedicação aos filhos...tão desprovida de recompensas quanto de informações, o que a levou à perda do filhinho.Para ela perder a luz de sua consciência foi um bálsamo...pobre do filho que orfão ficou de uma mãe viva.
Ai, que esta tua Helena me deixou triste e melancólica.Escreves com uma maestria tal, que a ficção se torna realidade.
Um raio de sol para secar as lágrimas de Helena...
Bjsssssss,
Leninha
Nossa Ariel, também idosa, está bem.Obrigada,querida.Minha irmã também agradece.
Comoventes estas histórias de vida que tu ilustraste com fotos maravilhosas.
Beijos
Manu
Triste mas bem escrito. Também gostei das fotos.
Cumps
Gostei muito do teu conto.
É excelente!!!
Isabel, querida amiga, tem uma boa semana.
Beijo.
Blue minha querida
Tantas Helenas! Tantos sofrimentos!
As lágrimas não me deixam escrever mais.
Força amiga
Beijinho e uma flor
Um testemunho forte da frágil condição da mulher.
Um tema, dramaticamente, atual, (ainda no século XXI) onde assistimos a uma crescente violência doméstica exercida pelo homem sobre a mulher.
Um belíssimo texto.
Lídia
Gostei tanto da primeira fotografia, está mesmo muito bonita, gostei mesmo! o roxo vivo e cintilante :P
Helena - a verdadeira representante das mulheres amarrotadas e enxovalhadas, que não perdem nunca a dignidade.
Muitas Helenas houvesse, tantas quantas coubessem dentro dum coração empedernido.
Beijinho amiguita Blue
Olá Blue, e que tudo esteja bem contigo!
Vejo neste teu escrito um exemplo para os jovens deste tempo recente. Em poucas palavras, mas com intenso sentir narra o que pode acontecer em nossa vida se sempre anteciparmos o que está por vir. É assim, o que tem que ser, vai acontecer, mas sem que sofra por demais nossa interferência. Quando pulamos etapas, deixamos de vivenciar momentos, momentos estes que vão fazer enormes diferenças em um futuro próximo!
Parabéns pelo belo texto e imagens, que expressam sentimentos deveras intensos, ainda que a tristeza se faça ao final!
E grato por compartilhar belos pensamentos, por tuas visitas e comentários sempre tão gentis eu desejo que tenha em teu viver sempre intensa felicidade, abraços e até mais!
Amiga Isabel.Nuevamente conseguiste hacer una apologia de mi fotofrafia.
Tu que está acostubradas a corregir las notas de tus alunnos,te salen con facilidad y objetividad tus pensamientos
Juan
Amiga mia.Si mis fotografias hacen que tus pensamientos retrocedan a tu infancia,y ello te hace feliz.
Desde la distancia me siento feliz por ello.
Juan
Não sei que dizer, as palavras ficaram na minha garganta a abafar o soluço que queria sair.
Senti uma lágrima, neste bucolismo que me desperta recordações da infância.
Magnifico o escrito e lindas a hortênsias que quebram a tristeza dessa Helena.
Um beijo
Lindo, nostálgico e sofrido este conto que adorei. As imagens são maravilhosas como sempre. Beijos com carinho
Just love that top photo Isabela ! Beautiful colour and such contrast ! Sad story - also a contrast with the beauty.
Have a wonderful week. Beijos !
Um texto lindo de afectos e de lágrimas...
Uma maravilha oq ue nos trouxeste hoje!
Ahhh... e as tuas fotos serranas?!
Lindas de morrer!
Beijinhos,
Such a sad tale!
Emocionante minha amiga.Otima descrição com prisão do leitor nas cenas.Pude ver a dor a da mãe.
Senti o cheiro da sopa.Vi o rosoto de Helena.
Parabens amiga.
Meu terno abraço.
Beijo.
Olá cara amiga,
Não sei julgar se estou sendo pretensioso, mas se estiveres hesitante na escolha do seu poema, talvez eu facilite pra você! Dentre tantos, adorei o poema postado em 30 de julho: “Brincos... de Rainha!” – é soberbo! Então, se permitires, não eu terei dúvida em copiá-lo; pra isso, basta dar-me seu consentimento...
Fico no aguardo, um beijo.
Um texto comovente escrito com o coração e que li emocionada.
Muito belo.
E as fotos lindas!
Beijinhos
Bom fim-de-semana.
Triste, sentido, comovente e... belo. Parabéns!
Toca o coração de quem lê...porque foi escrito com alma.
É bom quando a escrita nos toca assim.
Obrigada BlueShell...brisas doces***
Blue Shell
Uma história triste, mas lindíssimo.
Me emocionei. és uma escritora de talento.
Um lindo dia para você.
Beijos.
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